COMO SEMPRE MAFALDA (clique para ler melhor)
quinta-feira, 25 de dezembro de 2008
quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
Mafalda(s)!!!!
Figuras reluzentes!
essas mafaldas!!!
INTELIGENTES!
INTELIGENTES!
Sorridentes!
Mafalda
A menina mais crítica dos quadrinhos teria hoje 40 anos se não tivesse sido aposentada aos oito anos por seu criador. É que Quino a fez envelhecer em tempo real (durante os anos em que a publicou).
Mafalda tinha um espírito crítico e uma sagacidade típica das crianças de raciocínio rápido. Possuía um globo (o mundo) doente em casa e ouvia sempre o noticiário do jornal tendo uma excelente tirada para cada nova notícia. Muitos anos antes do jargão de Garfield sobre as segundas-feiras, Mafalda já odiava sopa. Na música, porém, era apaixonada pelos Beatles. Tinha um irmão inocente a quem apresentava o mundo aos poucos, o pequeno Guille. Três colegas e amigos de escola: Suzanita (uma conservadora de classe média, cuja principal preocupação era casamento e filhos); o neurótico Filipo, cuja angústia paralisava seus sentidos (e refugiava-se nas fantasias do seu herói Cavaleiro Solitário); Manolito (filho do rude dono do mercado, com quem aprendia a tamancadas os duros valores capitalistas). Conheceu seu grande parceiro e alma gêmea durante umas férias na praia: Miguelito. Talvez tenha se casado com ele… Se bem que não consigo pensar na Mafalda casando. Talvez esteja amancebada, quem sabe? Difícil saber, já que seu criador, como disse, se nega a dar-nos notícias dela desde 1973. Quino, na verdade, tem um certo mal-estar com a ênfase que a personagem tem até hoje no mundo e que obscurece a longa produção de cartuns feita por ele desde então. Apesar da atualidade inegável da jovem Mafalda, ainda assim é preciso reconhecer que Quino continua produzindo de modo genial seus cartuns. Verdadeiras obras-primas da crítica ao homem moderno (ou será pós-moderno?).
domingo, 21 de dezembro de 2008
POEMA /IMAGEM
Narciso e Narciso
Se Narciso se encontra com Narciso
e um deles finge
que ao outro admira
(para sentir-se admirado),
o outro
pela mesma razão finge também
e ambos acreditam na mentira.
Para Narciso
o olhar do outro, a voz do outro,
o corpo é sempre o espelho
em que ele a própria imagem mira.
E se o outro é como ele
outro Narciso,
é espelho contra espelho:
o olhar que mira
reflete o que admira
num jogo multiplicado em que a mentira
de Narciso a Narciso
inventa o paraíso.
E se amam mentindo
no fingimento que é necessidade
e assim
mais verdadeiro que a verdade.
Mas exige, o amor fingido,
ser sincero
o amor que como ele é fingimento.
E fingem mais os dois
com o mesmo esmero
com mais e mais cuidado
- e a mentira se torna desespero.
Assim amam-se agora
se odiando.
O espelho embaciado,
já Narciso em Narciso não se mira:
se torturam
se ferem
não se largam
que o inferno de Narciso
é ver que o admiravam de mentira.
(Poema de Ferreira Gullar).
Se Narciso se encontra com Narciso
e um deles finge
que ao outro admira
(para sentir-se admirado),
o outro
pela mesma razão finge também
e ambos acreditam na mentira.
Para Narciso
o olhar do outro, a voz do outro,
o corpo é sempre o espelho
em que ele a própria imagem mira.
E se o outro é como ele
outro Narciso,
é espelho contra espelho:
o olhar que mira
reflete o que admira
num jogo multiplicado em que a mentira
de Narciso a Narciso
inventa o paraíso.
E se amam mentindo
no fingimento que é necessidade
e assim
mais verdadeiro que a verdade.
Mas exige, o amor fingido,
ser sincero
o amor que como ele é fingimento.
E fingem mais os dois
com o mesmo esmero
com mais e mais cuidado
- e a mentira se torna desespero.
Assim amam-se agora
se odiando.
O espelho embaciado,
já Narciso em Narciso não se mira:
se torturam
se ferem
não se largam
que o inferno de Narciso
é ver que o admiravam de mentira.
(Poema de Ferreira Gullar).
FILOSOFIA/POLÍTICA
quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
Uma poesia
Das vozes e dos sons, dos medos escondidos,
Abafados por sorrisos. Sorrisos hipócritas,
De máscaras sem tamanho,
De desejos mentirosos, de prisão...
Estou presa num mundo de armadilhas,
Convenções e superfícies, de gritos,
Gritos!!!!!!Gritos!!!!!!!!!!!!!Gritos que não se ouvem...
Se eu conseguir sair, dessa caverna, desse mito,
Desse naufrágio de sonhos, Amor, Felicidade Real
e não provisória
Se eu saísse dessa ilusão
Desse escuro ofuscante, lacerante,
Que tanto domina...Ah,se eu saísse de mim...!
Se eu fosse feliz, se esse silêncio fosse fogo
Ardente,Incandescente,
Queimasse as dores reprimidas, os medos
que não são medos de tão presos,
Tão escondidos...É que as dores são tão imensas
Que precisam ser escondidas...
E vivemos nessa prisão de ilusão
De descaso
De covardia!
sábado, 29 de novembro de 2008
Negros e brancos
PesquisaIpea: População de negros e brancos quase se iguala, mas desigualdades continuam Publicado em 09.09.2008, às 18h09
Leia Mais
» Aumenta número de famílias compostas por filhos criados apenas pelo pai
A diferença entre o número de brancos e negros na população brasileira diminuiu entre os anos de 1996 e 2006, segundo o estudo Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, divulgado nesta terça-feira (9) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Se em 1996 o total de brancos correspondia a 55,2% (85.261.961) da população e o de negros a 44,7% (68.929.113), em 2006, o total passou a ser de 49,7% (93.096.286) de brancos, frente a 49 5% (92.689.972) de negros.
A representante do Fundo das Nações Unidas para as Mulheres (Unifem) Maria Inês Barbosa acredita que o crescimento da população negra não tem a ver apenas com o crescimento demográfico do país e, sim, com a melhoria na auto-estima dessa parcela da população.
Desde a década de 80, houve uma reafirmação da identidade negra. Isso provocou uma mudança entre as pessoas que antes se consideravam pardas e, agora, se assumem negras, afirmou. A esse fenômeno, ela deu o nome de queda do embranquecimento [da população]".
Maria Inês acrescenta que é importante, em sociedades marcadas por desigualdades de raça, gênero e classe, ter dados que possam impulsionar políticas públicas para superar as desigualdades.
Se no total da população há equilíbrio entre negros e brancos, as desigualdades em relação educação ainda permanecem. Segundo o Ipea, brancos e negros estão próximos quando analisada a inclusão no ensino fundamental. Há dois anos, 95,7% das crianças brancas cursavam os primeiros anos da escola. Já entre as negras esse índice era de 94,2%.
Entrentato, na análise sobre a inclusão no ensino médio, as diferenças se ampliam. São 58,4% de brancos e 37,4% de negros. O pesquisador do Ipea, Jorge Abrahão, afirma que o crescimento econômico não provoca diminuição da desigualdade entre negros e brancos.
09/09/2008 - 16h26
Número de pessoas que se declaram negras chega a 47%, aponta Ipea
Publicidade
da Folha Online
Entre 1993 e 2006, o número de pessoas que se consideram negras subiu de 42% para 46%, segundo pesquisa divulgada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Os dados fazem parte da pesquisa "Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça", obtidos a partir dos números da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) divulgados hoje.
Os números variam em todas as áreas e grupos. "Este fenômeno ocorre em praticamente todas as faixas etárias, indicando que não se trata de uma questão geracional de auto-afirmação e nem tampouco de um fenômeno eminentemente urbano, mas sim de uma tendência observada em toda a população".
O envelhecimento do brasileiro também é uma tendência observada, mas os negros ainda vivem menos. Em 2006, enquanto 9,3% das mulheres negras tinham 60 anos ou mais de idade, as brancas idosas eram 12,5% do total.
Há 15 anos, as negras idosas eram 7,3% de seu grupo, e as brancas 9,4%. "Apesar de a expectativa de vida da população ter aumentado, as desigualdades entre os grupos permanecem", concluem os pesquisadores.
Com os homens negros, ocorre o mesmo: em 1993, os negros com 60 anos ou mais eram 6,5% de seu grupo, passando para 7,8% em 2006. Entre os brancos, a porcentagem varia de 8,2% para 10,6%.
"Esta constitui, portanto, uma das mais perversas facetas das desigualdades raciais existentes em nosso país, pois as únicas justificativas para essas diferenças residem nas piores condições de vida a que negros e negras são submetidos", afirma a pesquisa.
As desigualdades não diminuem tão rapidamente quanto o crescimento do país porque as políticas públicas fazem recorte por renda e não por gênero ou raça, disse. Fora isso, a renda pode aumentar, mas se está relacionada a fatores como escolaridade, e esse conjunto da população não alcança esse fatores, ele não atinge a renda, completou Abrahão.
O levantamento divulgado pelo Ipea teve como base os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 1993 a 2007. O trabalho traça um perfil sobre diferentes temáticas relacionadas s desigualdades de sexo e de raça. São abordados temas como população, chefia de família, educação, saúde, previdência e assistência social, mercado de trabalho, trabalho doméstico remunerado, habitação e saneamento, acesso a bens duráveis e exclusão digital, pobreza, distribuição e desigualdade de renda e uso do tempo.
Fonte: Agência Brasil
09/09/2008 - 13h29
Negros vão menos à escola e têm salários menores que brancos, mostra Ipea
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A diferença entre o número de brancos e negros na população brasileira diminuiu entre os anos de 1996 e 2006, segundo o estudo Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, divulgado nesta terça-feira (9) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Se em 1996 o total de brancos correspondia a 55,2% (85.261.961) da população e o de negros a 44,7% (68.929.113), em 2006, o total passou a ser de 49,7% (93.096.286) de brancos, frente a 49 5% (92.689.972) de negros.
A representante do Fundo das Nações Unidas para as Mulheres (Unifem) Maria Inês Barbosa acredita que o crescimento da população negra não tem a ver apenas com o crescimento demográfico do país e, sim, com a melhoria na auto-estima dessa parcela da população.
Desde a década de 80, houve uma reafirmação da identidade negra. Isso provocou uma mudança entre as pessoas que antes se consideravam pardas e, agora, se assumem negras, afirmou. A esse fenômeno, ela deu o nome de queda do embranquecimento [da população]".
Maria Inês acrescenta que é importante, em sociedades marcadas por desigualdades de raça, gênero e classe, ter dados que possam impulsionar políticas públicas para superar as desigualdades.
Se no total da população há equilíbrio entre negros e brancos, as desigualdades em relação educação ainda permanecem. Segundo o Ipea, brancos e negros estão próximos quando analisada a inclusão no ensino fundamental. Há dois anos, 95,7% das crianças brancas cursavam os primeiros anos da escola. Já entre as negras esse índice era de 94,2%.
Entrentato, na análise sobre a inclusão no ensino médio, as diferenças se ampliam. São 58,4% de brancos e 37,4% de negros. O pesquisador do Ipea, Jorge Abrahão, afirma que o crescimento econômico não provoca diminuição da desigualdade entre negros e brancos.
09/09/2008 - 16h26
Número de pessoas que se declaram negras chega a 47%, aponta Ipea
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da Folha Online
Entre 1993 e 2006, o número de pessoas que se consideram negras subiu de 42% para 46%, segundo pesquisa divulgada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Os dados fazem parte da pesquisa "Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça", obtidos a partir dos números da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) divulgados hoje.
Os números variam em todas as áreas e grupos. "Este fenômeno ocorre em praticamente todas as faixas etárias, indicando que não se trata de uma questão geracional de auto-afirmação e nem tampouco de um fenômeno eminentemente urbano, mas sim de uma tendência observada em toda a população".
O envelhecimento do brasileiro também é uma tendência observada, mas os negros ainda vivem menos. Em 2006, enquanto 9,3% das mulheres negras tinham 60 anos ou mais de idade, as brancas idosas eram 12,5% do total.
Há 15 anos, as negras idosas eram 7,3% de seu grupo, e as brancas 9,4%. "Apesar de a expectativa de vida da população ter aumentado, as desigualdades entre os grupos permanecem", concluem os pesquisadores.
Com os homens negros, ocorre o mesmo: em 1993, os negros com 60 anos ou mais eram 6,5% de seu grupo, passando para 7,8% em 2006. Entre os brancos, a porcentagem varia de 8,2% para 10,6%.
"Esta constitui, portanto, uma das mais perversas facetas das desigualdades raciais existentes em nosso país, pois as únicas justificativas para essas diferenças residem nas piores condições de vida a que negros e negras são submetidos", afirma a pesquisa.
As desigualdades não diminuem tão rapidamente quanto o crescimento do país porque as políticas públicas fazem recorte por renda e não por gênero ou raça, disse. Fora isso, a renda pode aumentar, mas se está relacionada a fatores como escolaridade, e esse conjunto da população não alcança esse fatores, ele não atinge a renda, completou Abrahão.
O levantamento divulgado pelo Ipea teve como base os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 1993 a 2007. O trabalho traça um perfil sobre diferentes temáticas relacionadas s desigualdades de sexo e de raça. São abordados temas como população, chefia de família, educação, saúde, previdência e assistência social, mercado de trabalho, trabalho doméstico remunerado, habitação e saneamento, acesso a bens duráveis e exclusão digital, pobreza, distribuição e desigualdade de renda e uso do tempo.
Fonte: Agência Brasil
09/09/2008 - 13h29
Negros vão menos à escola e têm salários menores que brancos, mostra Ipea
Leia: Pato Fu
EU
Eu...queria tanto encontrar
Uma pessoa como eu
A quem eu possa confessar
alguma coisa sobre mim
Quando acontece um grande amor
assim como você e eu
o tempo passa por nós dois
não lembro o que aconteceu
Eu...queria tanto encontrar
Uma pessoa como eu
A quem eu possa confessar
alguma coisa sobre mim
Mas nem por isso vou ficar
a questionar os erros meus
Você precisa procurar
Achar o que você perdeu
Eu...queria tanto encontrar
Uma pessoa como eu
A quem eu possa confessar
alguma coisa sobre mim
__________________
Esta letra é simples, mas diz uma coisa comum de todos os humanos: como amar e conhecer-se no outro também? Quem confessa alguma coisa sobre si mesmo ao outro por inteiro? Quem degusta sua palavra consigo em outro que escuta? O segredo da gente é decifrável quando alguém nos ama?
O EU diz mistério!
Eu...queria tanto encontrar
Uma pessoa como eu
A quem eu possa confessar
alguma coisa sobre mim
Quando acontece um grande amor
assim como você e eu
o tempo passa por nós dois
não lembro o que aconteceu
Eu...queria tanto encontrar
Uma pessoa como eu
A quem eu possa confessar
alguma coisa sobre mim
Mas nem por isso vou ficar
a questionar os erros meus
Você precisa procurar
Achar o que você perdeu
Eu...queria tanto encontrar
Uma pessoa como eu
A quem eu possa confessar
alguma coisa sobre mim
__________________
Esta letra é simples, mas diz uma coisa comum de todos os humanos: como amar e conhecer-se no outro também? Quem confessa alguma coisa sobre si mesmo ao outro por inteiro? Quem degusta sua palavra consigo em outro que escuta? O segredo da gente é decifrável quando alguém nos ama?
O EU diz mistério!
quinta-feira, 13 de novembro de 2008
Um texto sobre o racismo
Mundo Negro - O maior portal da comunidade afro-brasileiraCopyright © 2007-2008 - Todos os direitos reservados.e-mail: contato@mundonegro.com.br
Se raças não existem, é inegável que insistem!
José Carlos Gomes dos Anjos
Dizem especialistas que fazendo um cruzamento sistemático entre a pertença racial e os indicadores econômicos de renda, emprego, escolaridade, classe social, idade, situação familial e região ao longo de mais de 70 anos, desde 1929, chega-se à conclusão de que no Brasil, a condição racial constitui um fator de privilégio para brancos e de exclusão e desvantagem para os não-brancos. Do total dos universitários, 97% são brancos, sobre 2% de negros e 1% de descendentes de orientais. Sobre 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza, 70% deles são negros. Sobre 53 milhões de brasileiros que vivem na pobreza, 63% deles são negros.
O carnaval se aproxima. Nossos sentidos estão adequados a uma partição de fenótipos por espaços sociais. Lemos rostos todos os dias, em cada lugar, como lemos nossos livros e desconfiamos de algumas proposições. Se sairmos de uma sala de aulas da UFRGS numa sexta à noite para irmos a uma quadra de escola de samba, nossa ontologia racial se impõe numa evidência: um fracionamento de espaços sociais por raças como se o território da universidade fosse dos brancos (daí meu mal estar cotidiano) e a quadra pertencesse aos negros (como reclama com sustentável dignidade, o passista). É evidente que são poucos negros em uma sala de aula da UFRGS para muito poucos brancos na escola de samba.
Apenas a Coordenação Nacional de Entidades Negras - CONEN agrega mais de trezentas entidades do movimento negro, Unegro e MNU são outras entidades nacionais com agremiações em quase todos os Estados brasileiros; qualquer um que tenha participado de reuniões iniciais de entidades do Movimento Negro sabe que o rito de iniciação no engajamento militante passa por cerimônias dolorosas de explicitação espontânea de vivências da condição de vítima de racismo; entre os não militantes é crescente o numero de depoimentos em agências como o SOS - Racismo, sem contar as delegacias nada preparadas para receber e muito menos contabilizar as denuncias de racismo. Mas a evidência insiste. Que essa partição espacial e essas denúncias evidenciam um racismo insistente e persistente, não basta a história, não bastam os números, não bastam os depoimentos dos negros, não basta a nossa sensibilidade de qualquer dia desses (passe por lá e saiba do que estamos falando!)?
Que a não existência do racismo possa ser decidida apesar dos depoimentos dos negros (e brancos), apesar dos números das estatísticas, isso surpreende! O que surpreende é a pergunta sobre esse lugar privilegiado de acesso ao real, essa arrogância epistêmica, esse protocolo que vence objetividades (tão desconstruíveis) e subjetividades (tão passiveis de serem relativizadas) .
Meu caro divino, mas de onde você está falando cara-pálida? Que lugar inacessível é esse que te permite definir os objetos de meu mundo apesar de mim, os objetos do teu mundo apesar das tuas estatísticas? Como decides sem mim as fronteiras entre mim e ti, quando elas existem e quando não existem? O que te permite partir e repartir o mundo em crenças paranóicas e racistas de um conjunto de movimentos sociais negros e a verdade subjetiva de todo o resto supostamente não racializado? Apenas o olhar arrogante da tua bela ciência? O que te permite definir quando o que o “nativo” diz deve ser levado em conta e, sobretudo quem é o “nativo” que merece teu crédito? Esse lugar de enunciação que, supõe acesso tão privilegiado ao real, que vos permite dizer que não existe o racismo que sobre meu corpo insiste não é o sinal mais flagrante de vossa branquitude?
- se você disser que possui protocolos científicos muito mais razoáveis do que as dores que me colam à pele e reinventam a cada dia meu confinamento negro, te direi que é exatamente disso que estou falando: que queremos também um lugar sob esse sol que vos permite dizer coisas tão razoáveis (porque suspeito que continue a não ver as mesmas coisas que você vê, porque viemos de historicidades diferentes e nossas ontologias precisam ser negociadas para que encontremos mundos comuns). É essa necessária diplomacia que reclama presenças negras mais numerosas na universidade. E você pode não estar certo, sobre a inexistência do racismo!
Diz displicentemente, um dos maiores antropólogos brasileiros da atualidade que “já há coisas demais no mundo que não existem” para que o antropólogo continue se dando ao luxo do inventário das inexistências! Na disciplina, esse já displicente senso do (mal) estar entre ontologias variáveis não tem sido compartilhado como uma ética do cuidado com as existências, essas delicadas criaturas. Muitos de nossos colegas insistem em arbitrar sobre o que existe e o que não existe, desgraçadamente apesar das dores de “seus nativos”.
Está nos fundamentos dessa disciplina particularmente preparada para lidar com a alteridade que é a antropologia, a suspeita sistemática de que os objetos insistentes no mundo prévio do pesquisador possam não ser tudo o que existe. E que as dores, convicções e cosmologias dos outros também se referem a coisas que de fato existem e que talvez estejam além das ontologias “razoáveis” do pesquisador. Isso faz a felicidade da crítica sistemática ao etnocentrismo e institui a própria noção de alteridade que baliza a disciplina. Tem sido surpreendente a ausência dessa humildade disciplinar na voz de diversos cientistas sociais brasileiros quando lidam com a questão racial. Não seria básico perguntar antes de decretar a inexistência: “o que é o racismo que eles dizem que sofrem?”; “O que significa para eles o racismo?”; “quanto e como consigo traduzir esse afeto (modo de afetar o mundo e de ser afetado nele)?”
Que o racismo não exista, isso só não surpreende numa ligeireza jurídica que esvazia o conteúdo sociológico de uma relação de des-humanizaçã o na desgraçada formalidade da busca de evidência de interdição/proibiçã o: se você chama o sujeito de negro sujo você o ofendeu, mas não interditou nada, portanto trata-se de ofensa e não de racismo! Que esse negro nunca mais tenha condições subjetivas de voltar ao lugar do insulto, isso não é um problema do jurista! Mas nós? Vamos nos ater a temporalidades tão confinadas, tão decepadas dos encadeamentos históricos mais substantivos?
Se raças de fato não existem, pelo menos no Brasil insistem! Insistem nos números, insistem nos depoimentos negros, assim como está presente nas vossas mais humanistas declarações de intenções a respeito de cotas na universidade.
Raça é algo que a modernidade não para de fazer inexistir, seja através dos atuais processos de controle de fluxos mundiais de populações ou no antigo projeto nazista de extermínio daquilo que seus ideólogos inventaram como a mais radical alteridade do povo alemão, ou através do processo de censura sobre o termo raça e ainda nas múltiplas formulações humanistas condenando o racismo... De todo o modo a gestão da inexistência insistente de raça é um dos problemas cosmopolíticos dos modernos: como repartir as coisas e pessoas que existem de modo que raças não existam convincentemente? É disso que as nossas estatísticas falam: as coisas que existem e que valem a pena (que são capitais, recursos para outras coisas, passaporte para outros caminhos) não estão suficientemente bem repartidas para que raças tanto não existam como não insistam.
Um de nossos problemas modernos é exatamente o da infinitude desse processo de fazer inexistir raças, a demorada implausibilidade de tornar convincente essa inexistência quando todas as demais partições de nossos espaços sociais parecem deixar flagrante a ausência da inexistência de raças.
Porque tanta insistência em demonstrar o que não existe, senão porque raça insiste em ser um problema histórico não passível de ser contornável apenas discursivamente? É da existência histórica dessa insistência, da existência dessas múltiplas políticas para fazer inexistir, que estamos falando. O que esta subjacente a tanta insistência? Um geneticista talvez possa deliberar sobre a existência de raças do ponto de vista biológico. Mas não pode decidir sobre nossas ansiedades para que se pare em falar em raças, sobre como produzir políticas de desracializaçã o das mentalidades e dos dispositivos objetivos de produção de repartições de populações nos espaços sociais. Esse é o nosso problema histórico, social, nem minimamente genético.
O que está em jogo é que a polícia me reconhece como negro sem me pedir a carteira genética; que os meus colegas, francamente, imediatamente me reconhecem como negro sem um teste de DNA, apesar de cientistas e sua maldita hermenêutica da dúvida sistemática; meus alunos até desconfiam que meu excesso de melanina possa carregar junto outros excessos e, sobretudo muitas deficiências... É do peso histórico do efeito agregado de milhares de reconhecimentos cotidianos ligeiros e insustentáveis como esses que estamos falando. Trata-se de falar de raça do prisma sociológico e enquanto efeito histórico de dispositivos objetivos e de disposições subjetivas para repartir e definir o lugar das pessoas tendo como uma das bases de impressão (é preciso lembrar Goffman e a política da primeira impressão na estruturação das interações cotidianas?) : o fenótipo. O “lugar de negro”, esse princípio de partição que muitos de nós gostaríamos de banir, se faz evidente porque existe esse substrato material causador de impressões marcantes em disposições subjetivas preparadas para racializar.
O anti-racismo ligeiro não percebe que a inexistência de raças não se faz por um passe de mágica de uma enunciação científica. Não é porque cientistas dizem que raças não existem que elas passam a não existir socialmente. Historicamente a não existência de raças precisa ser praticada, inventada, imaginada em dispositivos institucionais concretos, tornada presença visível de negros na ossatura institucional da nação até que se naturalize tal presença. Se a presença de negros, nos espaços mais caros da nação, não for tão visível a ponto de se tornar natural, estaremos condenados a ter a presença visível da insistência de raça.
É por isso que o problema das modalidades de inserção positiva e visível do negro brasileiro na ossatura institucional da nação em nada reclama os palpites políticos de cientistas da genética. Políticas relacionadas a patrimônio genético merecem bem uma atenção decisiva desses profissionais. Quanto a políticas afirmativas a favor de negros e indígenas, cabe perguntar a cada um dos partícipes da assembléia de quem sua sensibilidade especial lhe faz porta-voz: Dos negros, dos indígenas, dos brancos, de mestiços, da bandeira nacional, da mulata ardente, etc.? Essas entidades de fato não existem nos minúsculos mundos científicos dos geneticistas! Estes deveriam defender políticas de genes como cientistas e palpitar sobre raças do ponto de vista político como qualquer outra voz cidadã. Não deixa de surpreender, nesse surpreendente Brasil, que geneticistas tenham se tornado experts abalizados, consultáveis em políticas públicas referentes a dimensões históricas gigantescas e macroscópicas da nação brasileira. Para tanta pretensão deveriam agregar ao menos duas especialidades!
Esquecem-se por vezes, alguns “cientistas” que a temporalidade das ciências não é a mesma das demais dimensões das mentalidades de nossa época. Que a mentalidade racista vem sendo praticada no Brasil há cinco séculos enquanto que as descobertas da genética sobre a inutilidade da categoria raça é algo bem mais recente, deveria ser trivial! Sobretudo, que a penetração na vida social das descobertas das ciências obedece a ritmos e está sujeita a reinterpretaçõ es imponderáveis, tardias e desconcertantes, também a essa altura deve ser trivial. Mas o problema dessas trivialidades é que são inconseqüentes para esse ligeiro pensamento anti-racista que, como diria o velho e bom hoje inominável, “confunde as coisas da lógica com a lógica das coisas”.
Então cabe repetir: para o bem e para o mal, só uma ínfima parcela dos brasileiros são cientistas. Não apenas muitos poucos detêm os rudimentos dos conhecimentos dos geneticistas, mas, mais ainda, nós os cientistas sociais precisamos lidar não apenas com o que existe de fato para os biólogos, mas também com os efeitos globais das práticas associadas ao que os demais brasileiros acreditam que existe. É disso que estamos falando, do efeito global de raça que muitos brasileiros de muitas maneiras diferentes praticam como “existências”.
E do que alguns “intelectuais” estão falando quando dizem que políticas afirmativas de corte racial são políticas perigosas? Do que mesmo eles têm medo? Qual é o tabu que faz com que não se explicite com a mesma insistência da declaração profética qual é o perigo real e quais os seus contornos? De onde viria o perigo? Quem seria o agressor? Que disposições subjetivas estariam por trás dessa onda devastadora do nosso sublime humanismo não-racista?
Será que eles temem que a nossa generosa cordialidade racial não resista ao teste de uma equiparação da presença de negros e brancos na universidade? Será que esse patrimônio da nação que é o mito da democracia racial não serve sequer para sustentar uma nova disposição moral que exige e desafia que negros estejam tão imediatamente quanto possível convivendo com brancos em número razoável em nosso campus? Será que eles acham que brancos não conseguem conviver com indígenas a não ser na relação pesquisador- objeto? Mas então para que “raios” serve esse tal de mito da democracia racial que tanto insistem que preservemos? Porque acreditar em cordialidade racial se isso não é de forma alguma assimilável a idéia de enfrentamento solidário de um problema de desigualdade que deixa visível a ausência de negros nos campus? Será que temem que suas quimeras estejam se arruinando ao primeiro teste? É o espectro do incêndio racista na casa de estudantes da UNB que consome suas veleidades da ausência brasileira de percepção racializada de mundo?
Se fosse apenas isso, precisaríamos nós, tão progressistas, de outras razões para desafiar disposições subjetivas tão hipócritas, mesquinhas e iníquas?
O pior é que talvez eles não concordem comigo sobre o caráter injusto de uma resposta violenta a política de cotas! No fundo, esses intelectuais ultra-humanistas, talvez concordem que esse ódio-racial-branco- nascente estaria justificado pela injustiça da “entrada não meritocrática de negros”! Talvez eles temam o potencial ainda não testado de seus próprios ódios raciais. Eles, tão humanistas!
Se assim for viva a ligeira cordialidade racial! Ela não sobrevive ao menor teste, mas sustenta nossos desencontrados sorrisos de corredor.
Já agora se deveria notar, antes que nos exijam uma comparação culturalmente exacerbada entre os EUA (da gota de sangue) e o Brasil (do branqueamento como fórmula de dissolução do racismo), que os diversos grupos racializados e estigmatizados por conta da noção de raça não carregam as mesmas historicidades. As fórmulas de equacionamento de suas dores e memórias de sofrimentos não são transferíveis esquematicamente. Será necessário recordar que, no Brasil, os judeus vêm passando, desde “o início da nação”, por um processo inacabado de branqueamento prenhe de dores? E que passar a ser reconhecido como branco não é igual a se desracializar? E que mesmo se fosse, as diferenças históricas e de substratos ontológicos impedem soluções similares para negros e judeus? Que gerações de negros vêm ensaiando o branqueamento sem que o quadro geral deixe de ser trágico, porque a branquitude é uma ideologia que carrega intrinsecamente uma noção de pureza que acusa todo o processo de purificação denunciável?
Para nós, os negros, a nova tragédia deriva do fato de que os donos de nossas ontologias passaram a decretar que o racismo que sobre nós insiste na verdade não existe!
Isso torna muito mais trágico o já agora “nosso” racismo, que deixou de ser denunciável. Não se trata de uma operação intelectual nova, mas a escola paulista (Florestan, Bastide, Iani...) que respondeu a demanda da Unesco sobre a harmonia racial brasileira já nos havia aliviado em parte do fardo dessa inexistência.
Se já é difícil conviver com um racismo efetivamente existente, como imaginam o fato da inexistência do racismo que me fere em cada detalhe do cotidiano? Se já era difícil o racismo real, agora, vivemos, nós os negros, o trágico do racismo inexistente como um bando de paranóicos racistas? O problema cosmopolítico é que esse é um bando grande demais para uma mania passível de ser resolvida numa instituição psiquiátrica que já não seja um outro mundo!
José Carlos dos Anjos
Dr. em Antropologia e Professor do Departamento de Sociologia
IFCH - UFRGS
Se raças não existem, é inegável que insistem!
José Carlos Gomes dos Anjos
Dizem especialistas que fazendo um cruzamento sistemático entre a pertença racial e os indicadores econômicos de renda, emprego, escolaridade, classe social, idade, situação familial e região ao longo de mais de 70 anos, desde 1929, chega-se à conclusão de que no Brasil, a condição racial constitui um fator de privilégio para brancos e de exclusão e desvantagem para os não-brancos. Do total dos universitários, 97% são brancos, sobre 2% de negros e 1% de descendentes de orientais. Sobre 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza, 70% deles são negros. Sobre 53 milhões de brasileiros que vivem na pobreza, 63% deles são negros.
O carnaval se aproxima. Nossos sentidos estão adequados a uma partição de fenótipos por espaços sociais. Lemos rostos todos os dias, em cada lugar, como lemos nossos livros e desconfiamos de algumas proposições. Se sairmos de uma sala de aulas da UFRGS numa sexta à noite para irmos a uma quadra de escola de samba, nossa ontologia racial se impõe numa evidência: um fracionamento de espaços sociais por raças como se o território da universidade fosse dos brancos (daí meu mal estar cotidiano) e a quadra pertencesse aos negros (como reclama com sustentável dignidade, o passista). É evidente que são poucos negros em uma sala de aula da UFRGS para muito poucos brancos na escola de samba.
Apenas a Coordenação Nacional de Entidades Negras - CONEN agrega mais de trezentas entidades do movimento negro, Unegro e MNU são outras entidades nacionais com agremiações em quase todos os Estados brasileiros; qualquer um que tenha participado de reuniões iniciais de entidades do Movimento Negro sabe que o rito de iniciação no engajamento militante passa por cerimônias dolorosas de explicitação espontânea de vivências da condição de vítima de racismo; entre os não militantes é crescente o numero de depoimentos em agências como o SOS - Racismo, sem contar as delegacias nada preparadas para receber e muito menos contabilizar as denuncias de racismo. Mas a evidência insiste. Que essa partição espacial e essas denúncias evidenciam um racismo insistente e persistente, não basta a história, não bastam os números, não bastam os depoimentos dos negros, não basta a nossa sensibilidade de qualquer dia desses (passe por lá e saiba do que estamos falando!)?
Que a não existência do racismo possa ser decidida apesar dos depoimentos dos negros (e brancos), apesar dos números das estatísticas, isso surpreende! O que surpreende é a pergunta sobre esse lugar privilegiado de acesso ao real, essa arrogância epistêmica, esse protocolo que vence objetividades (tão desconstruíveis) e subjetividades (tão passiveis de serem relativizadas) .
Meu caro divino, mas de onde você está falando cara-pálida? Que lugar inacessível é esse que te permite definir os objetos de meu mundo apesar de mim, os objetos do teu mundo apesar das tuas estatísticas? Como decides sem mim as fronteiras entre mim e ti, quando elas existem e quando não existem? O que te permite partir e repartir o mundo em crenças paranóicas e racistas de um conjunto de movimentos sociais negros e a verdade subjetiva de todo o resto supostamente não racializado? Apenas o olhar arrogante da tua bela ciência? O que te permite definir quando o que o “nativo” diz deve ser levado em conta e, sobretudo quem é o “nativo” que merece teu crédito? Esse lugar de enunciação que, supõe acesso tão privilegiado ao real, que vos permite dizer que não existe o racismo que sobre meu corpo insiste não é o sinal mais flagrante de vossa branquitude?
- se você disser que possui protocolos científicos muito mais razoáveis do que as dores que me colam à pele e reinventam a cada dia meu confinamento negro, te direi que é exatamente disso que estou falando: que queremos também um lugar sob esse sol que vos permite dizer coisas tão razoáveis (porque suspeito que continue a não ver as mesmas coisas que você vê, porque viemos de historicidades diferentes e nossas ontologias precisam ser negociadas para que encontremos mundos comuns). É essa necessária diplomacia que reclama presenças negras mais numerosas na universidade. E você pode não estar certo, sobre a inexistência do racismo!
Diz displicentemente, um dos maiores antropólogos brasileiros da atualidade que “já há coisas demais no mundo que não existem” para que o antropólogo continue se dando ao luxo do inventário das inexistências! Na disciplina, esse já displicente senso do (mal) estar entre ontologias variáveis não tem sido compartilhado como uma ética do cuidado com as existências, essas delicadas criaturas. Muitos de nossos colegas insistem em arbitrar sobre o que existe e o que não existe, desgraçadamente apesar das dores de “seus nativos”.
Está nos fundamentos dessa disciplina particularmente preparada para lidar com a alteridade que é a antropologia, a suspeita sistemática de que os objetos insistentes no mundo prévio do pesquisador possam não ser tudo o que existe. E que as dores, convicções e cosmologias dos outros também se referem a coisas que de fato existem e que talvez estejam além das ontologias “razoáveis” do pesquisador. Isso faz a felicidade da crítica sistemática ao etnocentrismo e institui a própria noção de alteridade que baliza a disciplina. Tem sido surpreendente a ausência dessa humildade disciplinar na voz de diversos cientistas sociais brasileiros quando lidam com a questão racial. Não seria básico perguntar antes de decretar a inexistência: “o que é o racismo que eles dizem que sofrem?”; “O que significa para eles o racismo?”; “quanto e como consigo traduzir esse afeto (modo de afetar o mundo e de ser afetado nele)?”
Que o racismo não exista, isso só não surpreende numa ligeireza jurídica que esvazia o conteúdo sociológico de uma relação de des-humanizaçã o na desgraçada formalidade da busca de evidência de interdição/proibiçã o: se você chama o sujeito de negro sujo você o ofendeu, mas não interditou nada, portanto trata-se de ofensa e não de racismo! Que esse negro nunca mais tenha condições subjetivas de voltar ao lugar do insulto, isso não é um problema do jurista! Mas nós? Vamos nos ater a temporalidades tão confinadas, tão decepadas dos encadeamentos históricos mais substantivos?
Se raças de fato não existem, pelo menos no Brasil insistem! Insistem nos números, insistem nos depoimentos negros, assim como está presente nas vossas mais humanistas declarações de intenções a respeito de cotas na universidade.
Raça é algo que a modernidade não para de fazer inexistir, seja através dos atuais processos de controle de fluxos mundiais de populações ou no antigo projeto nazista de extermínio daquilo que seus ideólogos inventaram como a mais radical alteridade do povo alemão, ou através do processo de censura sobre o termo raça e ainda nas múltiplas formulações humanistas condenando o racismo... De todo o modo a gestão da inexistência insistente de raça é um dos problemas cosmopolíticos dos modernos: como repartir as coisas e pessoas que existem de modo que raças não existam convincentemente? É disso que as nossas estatísticas falam: as coisas que existem e que valem a pena (que são capitais, recursos para outras coisas, passaporte para outros caminhos) não estão suficientemente bem repartidas para que raças tanto não existam como não insistam.
Um de nossos problemas modernos é exatamente o da infinitude desse processo de fazer inexistir raças, a demorada implausibilidade de tornar convincente essa inexistência quando todas as demais partições de nossos espaços sociais parecem deixar flagrante a ausência da inexistência de raças.
Porque tanta insistência em demonstrar o que não existe, senão porque raça insiste em ser um problema histórico não passível de ser contornável apenas discursivamente? É da existência histórica dessa insistência, da existência dessas múltiplas políticas para fazer inexistir, que estamos falando. O que esta subjacente a tanta insistência? Um geneticista talvez possa deliberar sobre a existência de raças do ponto de vista biológico. Mas não pode decidir sobre nossas ansiedades para que se pare em falar em raças, sobre como produzir políticas de desracializaçã o das mentalidades e dos dispositivos objetivos de produção de repartições de populações nos espaços sociais. Esse é o nosso problema histórico, social, nem minimamente genético.
O que está em jogo é que a polícia me reconhece como negro sem me pedir a carteira genética; que os meus colegas, francamente, imediatamente me reconhecem como negro sem um teste de DNA, apesar de cientistas e sua maldita hermenêutica da dúvida sistemática; meus alunos até desconfiam que meu excesso de melanina possa carregar junto outros excessos e, sobretudo muitas deficiências... É do peso histórico do efeito agregado de milhares de reconhecimentos cotidianos ligeiros e insustentáveis como esses que estamos falando. Trata-se de falar de raça do prisma sociológico e enquanto efeito histórico de dispositivos objetivos e de disposições subjetivas para repartir e definir o lugar das pessoas tendo como uma das bases de impressão (é preciso lembrar Goffman e a política da primeira impressão na estruturação das interações cotidianas?) : o fenótipo. O “lugar de negro”, esse princípio de partição que muitos de nós gostaríamos de banir, se faz evidente porque existe esse substrato material causador de impressões marcantes em disposições subjetivas preparadas para racializar.
O anti-racismo ligeiro não percebe que a inexistência de raças não se faz por um passe de mágica de uma enunciação científica. Não é porque cientistas dizem que raças não existem que elas passam a não existir socialmente. Historicamente a não existência de raças precisa ser praticada, inventada, imaginada em dispositivos institucionais concretos, tornada presença visível de negros na ossatura institucional da nação até que se naturalize tal presença. Se a presença de negros, nos espaços mais caros da nação, não for tão visível a ponto de se tornar natural, estaremos condenados a ter a presença visível da insistência de raça.
É por isso que o problema das modalidades de inserção positiva e visível do negro brasileiro na ossatura institucional da nação em nada reclama os palpites políticos de cientistas da genética. Políticas relacionadas a patrimônio genético merecem bem uma atenção decisiva desses profissionais. Quanto a políticas afirmativas a favor de negros e indígenas, cabe perguntar a cada um dos partícipes da assembléia de quem sua sensibilidade especial lhe faz porta-voz: Dos negros, dos indígenas, dos brancos, de mestiços, da bandeira nacional, da mulata ardente, etc.? Essas entidades de fato não existem nos minúsculos mundos científicos dos geneticistas! Estes deveriam defender políticas de genes como cientistas e palpitar sobre raças do ponto de vista político como qualquer outra voz cidadã. Não deixa de surpreender, nesse surpreendente Brasil, que geneticistas tenham se tornado experts abalizados, consultáveis em políticas públicas referentes a dimensões históricas gigantescas e macroscópicas da nação brasileira. Para tanta pretensão deveriam agregar ao menos duas especialidades!
Esquecem-se por vezes, alguns “cientistas” que a temporalidade das ciências não é a mesma das demais dimensões das mentalidades de nossa época. Que a mentalidade racista vem sendo praticada no Brasil há cinco séculos enquanto que as descobertas da genética sobre a inutilidade da categoria raça é algo bem mais recente, deveria ser trivial! Sobretudo, que a penetração na vida social das descobertas das ciências obedece a ritmos e está sujeita a reinterpretaçõ es imponderáveis, tardias e desconcertantes, também a essa altura deve ser trivial. Mas o problema dessas trivialidades é que são inconseqüentes para esse ligeiro pensamento anti-racista que, como diria o velho e bom hoje inominável, “confunde as coisas da lógica com a lógica das coisas”.
Então cabe repetir: para o bem e para o mal, só uma ínfima parcela dos brasileiros são cientistas. Não apenas muitos poucos detêm os rudimentos dos conhecimentos dos geneticistas, mas, mais ainda, nós os cientistas sociais precisamos lidar não apenas com o que existe de fato para os biólogos, mas também com os efeitos globais das práticas associadas ao que os demais brasileiros acreditam que existe. É disso que estamos falando, do efeito global de raça que muitos brasileiros de muitas maneiras diferentes praticam como “existências”.
E do que alguns “intelectuais” estão falando quando dizem que políticas afirmativas de corte racial são políticas perigosas? Do que mesmo eles têm medo? Qual é o tabu que faz com que não se explicite com a mesma insistência da declaração profética qual é o perigo real e quais os seus contornos? De onde viria o perigo? Quem seria o agressor? Que disposições subjetivas estariam por trás dessa onda devastadora do nosso sublime humanismo não-racista?
Será que eles temem que a nossa generosa cordialidade racial não resista ao teste de uma equiparação da presença de negros e brancos na universidade? Será que esse patrimônio da nação que é o mito da democracia racial não serve sequer para sustentar uma nova disposição moral que exige e desafia que negros estejam tão imediatamente quanto possível convivendo com brancos em número razoável em nosso campus? Será que eles acham que brancos não conseguem conviver com indígenas a não ser na relação pesquisador- objeto? Mas então para que “raios” serve esse tal de mito da democracia racial que tanto insistem que preservemos? Porque acreditar em cordialidade racial se isso não é de forma alguma assimilável a idéia de enfrentamento solidário de um problema de desigualdade que deixa visível a ausência de negros nos campus? Será que temem que suas quimeras estejam se arruinando ao primeiro teste? É o espectro do incêndio racista na casa de estudantes da UNB que consome suas veleidades da ausência brasileira de percepção racializada de mundo?
Se fosse apenas isso, precisaríamos nós, tão progressistas, de outras razões para desafiar disposições subjetivas tão hipócritas, mesquinhas e iníquas?
O pior é que talvez eles não concordem comigo sobre o caráter injusto de uma resposta violenta a política de cotas! No fundo, esses intelectuais ultra-humanistas, talvez concordem que esse ódio-racial-branco- nascente estaria justificado pela injustiça da “entrada não meritocrática de negros”! Talvez eles temam o potencial ainda não testado de seus próprios ódios raciais. Eles, tão humanistas!
Se assim for viva a ligeira cordialidade racial! Ela não sobrevive ao menor teste, mas sustenta nossos desencontrados sorrisos de corredor.
Já agora se deveria notar, antes que nos exijam uma comparação culturalmente exacerbada entre os EUA (da gota de sangue) e o Brasil (do branqueamento como fórmula de dissolução do racismo), que os diversos grupos racializados e estigmatizados por conta da noção de raça não carregam as mesmas historicidades. As fórmulas de equacionamento de suas dores e memórias de sofrimentos não são transferíveis esquematicamente. Será necessário recordar que, no Brasil, os judeus vêm passando, desde “o início da nação”, por um processo inacabado de branqueamento prenhe de dores? E que passar a ser reconhecido como branco não é igual a se desracializar? E que mesmo se fosse, as diferenças históricas e de substratos ontológicos impedem soluções similares para negros e judeus? Que gerações de negros vêm ensaiando o branqueamento sem que o quadro geral deixe de ser trágico, porque a branquitude é uma ideologia que carrega intrinsecamente uma noção de pureza que acusa todo o processo de purificação denunciável?
Para nós, os negros, a nova tragédia deriva do fato de que os donos de nossas ontologias passaram a decretar que o racismo que sobre nós insiste na verdade não existe!
Isso torna muito mais trágico o já agora “nosso” racismo, que deixou de ser denunciável. Não se trata de uma operação intelectual nova, mas a escola paulista (Florestan, Bastide, Iani...) que respondeu a demanda da Unesco sobre a harmonia racial brasileira já nos havia aliviado em parte do fardo dessa inexistência.
Se já é difícil conviver com um racismo efetivamente existente, como imaginam o fato da inexistência do racismo que me fere em cada detalhe do cotidiano? Se já era difícil o racismo real, agora, vivemos, nós os negros, o trágico do racismo inexistente como um bando de paranóicos racistas? O problema cosmopolítico é que esse é um bando grande demais para uma mania passível de ser resolvida numa instituição psiquiátrica que já não seja um outro mundo!
José Carlos dos Anjos
Dr. em Antropologia e Professor do Departamento de Sociologia
IFCH - UFRGS
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
SAPIENS DE MIM
Eu sou Lionardo. Gosto de discutir assuntos diversos do saber. Sou professor de filosofia e estudo identidade afro-brasileira. Gosto muito de ler revistas, jornais, livros variados,etc. Cultura em geral e meu assunto predileto; também leio muito sobre literatura e poesia. A televisão e o video são partes do meu fascínio, pelos temas abordados; acredito no saber como forma dialógica de mudar o mundo ao meu redor. A internet faz parte recente do meu tempo.
As postagens que aparecerão devem tratar do conhecimento cultural e, principalmente, de assuntos filosóficos.Que venham todos com todo fervor e desejo de saber! Abraços!
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