domingo, 21 de dezembro de 2008

POEMA /IMAGEM


Narciso e Narciso

Se Narciso se encontra com Narciso
e um deles finge
que ao outro admira
(para sentir-se admirado),
o outro
pela mesma razão finge também
e ambos acreditam na mentira.
Para Narciso
o olhar do outro, a voz do outro,
o corpo é sempre o espelho
em que ele a própria imagem mira.
E se o outro é como ele
outro Narciso,
é espelho contra espelho:
o olhar que mira
reflete o que admira
num jogo multiplicado em que a mentira
de Narciso a Narciso
inventa o paraíso.
E se amam mentindo
no fingimento que é necessidade
e assim
mais verdadeiro que a verdade.
Mas exige, o amor fingido,
ser sincero
o amor que como ele é fingimento.
E fingem mais os dois
com o mesmo esmero
com mais e mais cuidado
- e a mentira se torna desespero.
Assim amam-se agora
se odiando.
O espelho embaciado,
já Narciso em Narciso não se mira:
se torturam
se ferem
não se largam
que o inferno de Narciso
é ver que o admiravam de mentira.
(Poema de Ferreira Gullar).

Um comentário:

Isadora Camargo disse...

Ferreira Gullar nos faz pensar muito mesmo...Paasarei a ler mais sobre ele e esperar suas postagens sobre o escritor! =)